17 de fev. de 2011




Carta Aberta ao Fenômeno
*Rafa Santos*

Caro Ronaldo,

Você decidiu parar de jogar futebol
na última segunda-feira, dia 14 de fevereiro.
Data em que completei 26 anos.
Nunca tive o privilegio de entrevistá-lo.
Como repórter de campo, sempre tive o azar
de ao cobrir o treino do Corinthians
você estar na academia.
Apenas tive o prazer de vê-lo em alguns jogos
e treinamentos com bola.
Nunca em uma entrevista.
Como jornalista, você sempre esteve longe, Ronaldo.
Sua fama e o batalhão de assessores que o cerca
o tornaram quase inacessível.

Contudo, você sempre esteve presente na minha vida.
Em 1993 quando começou a se destacar no Cruzeiro
eu passei a acompanhar futebol
(uma febre indomável que acomete todos os meninos brasileiros
em algum ponto da infância).
E você nunca me faltou, semana após semana
eu acompanhava o Fantástico para ver os gols
da rodada e você sempre estava lá.
Ainda magro, ainda menino, mas com o carisma
que me fez acompanhar ansioso
cada passo de sua trajetória.


Depois você foi para o PSV
e o frio Campeonato Holandês passou a me interessar.
No Barcelona eu me apaixonei de vez por futebol.
Um amor juvenil, inconsequente como aquele gol
em que você driblou quase meio time do Compostela.
O vídeo foi exibido mil vezes,
usado em uma propaganda e levou sete jogadores
do time adversário a entrarem na justiça.
Francamente, não sei o desfecho da ação,
mas o impacto daquele lance marcou a minha história
assim como sei que marcou milhares
de meninos pelo mundo.

Veio a Inter de Milão e a Copa de 1998.
Mal acostumado a contar com você, eu, confiante,
vi o Brasil cair diante da França de Zidane.
Eu cai junto, foi a minha maior decepção
como torcedor da seleção.
Até achei que eles tinham comprado a Copa
por algum tempo.
Depois, mais maduro,
eu percebi que você só estava mostrando que era humano.
Assim como eu. Percebi com os meus erros
e com a sua crise de nervosismo naquela final
que ninguém é infalível.
Entendi que mesmo os grandes podem cair
e passei a me cuidar cada vez mais
com a ilusão de me preservar.

Em 2002 tudo mudou.
Ainda imaturo, na faculdade,
você me mostrou em uma manhã de domingo
que o mundo muda e que os grandes se levantam.
Que uma segunda chance existe
e temos que estar preparados para aproveitá-la.
Que é preciso meter gol e se mostrar capaz.
Era o fim da inocência e o começo da fase adulta.

Você sofreu muito a partir daí.
Teve novas lesões e passou muito tempo parado.
Estava acabado, um grande esportista em sua fase final.
Mas, você mostrou que temos que ser como tigres loucos,
que mesmo feridos acreditam sempre.
O seu primeiro gol pelo Corinthians contra o Palmeiras
foi o primeiro rugido de um fera velha,
mas ainda majestosa.
Sua temporada 2010 me fez acreditar
que nunca se deve jogar a toalha.
Que ninguém nunca está realmente acabado.

E ainda no Corinthians você caiu.
Parou de brilhar como um cometa que ressurge
a cada década e se esvaí em seu esplendor.
Todavia, faz tempo que seu desempenho
dentro de campo deixou de importar.
Assim como no futebol, você vai ver que aqui fora
se ganha ou se perde.
O que resta é seguir com um tigre louco,
lutando contra o acaso e desafiando novas barreiras.
Enfim, domando o destino.
Obrigado, Ronaldo.
Por ter me ensinado tanta coisa.
Por me fazer aprender a amar o futebol.

"Rafa Santos é jornalista, roteirista
e editor de esportes do Yahoo! Brasil"

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